A triste história da consultora portuguesa que enganou o Holmes Report
Costumo dar uma vista de olhos por esse ranking para analisar o comportamento comparativo dos principais players. Se a Edelman continua a liderar, se as consultoras da WPP sobem ou descem, como está o mercado das especialistas, sobretudo das financeiras.
Nunca passo do grupo das primeiras. Por isso nunca me tinha apercebido que existe uma consultora de Comunicação portuguesa, por sinal a que presidiu, anos a fio, à desqualificada associação sectorial, que envia dados que são completamente falsos.
Essa empresa chama-se Lift e é o seu presidente, Dr. Salvador da Cunha, que publica a respectiva confissão num blogue pessoal.
O Holmes Report elenca as consultoras a partir de um dado financeiro que identifica como sendo "fees". "Fees", "fees income" ou "revenues" não são vendas, nem facturação. São os honorários facturados pelas consultoras de Comunicação. São o diferencial entre vendas e custos directos das vendas.
A Lift declara, no tal blogue, que vende 6.450 mil euros e entrega ao Holmes Report uma declaração em que, por ignorância ou intencionalmente, diz que os seus "fees" são 6.767 mil dólares. Não são. Teria de ter subtraído os custos directos das vendas.
Mas, igualmente grave, a Lift não declara os indicadores da empresa propriamente dita (vendas: 3.668 mil euros; "fees": 1.713 mil euros). Declara uns indicadores que são o somatório das vendas (e não dos "fees") de um grupo de empresas, a maior parte das quais, aliás, nada tem a ver com Conselho em Comunicação.
Basta olhar para os primeiros 10 do ranking do Holmes Report para apercebermo-nos desta outra falsidade do Dr. Salvador da Cunha. Na listagem figuram várias consultoras do mesmo grupo (IPG, WPP, Omnicom), cada uma delas tomada individualmente. Estes grupos agregam empresas de várias disciplinas do Marketing, mas, para efeitos do ranking, apenas consideram os "fees" directamente relacionados com as Public Relations.
A declaração da Lift foge a este princípio. Aliás, em abono da verdade, não existe grupo porque não existe holding nem consolidação. Existe uma série de empresas que têm - apenas parcialmente - um mesmo sócio, sendo os 100% das mesmas imputadas a uma espécie de holding inexistente.
Acresce que a maior parte dessas empresas não opera em Conselho em Comunicação.
O argumento que uma aparente agência de publicidade está focada nas Public Relations parece-me ser um argumento falacioso. E dou um exemplo absurdo: na minha organização as instalações são propriedade de uma imobiliária que pertence aos mesmos accionistas. Seguindo o "raciocínio" da Lift, como a imobiliária está focada no negócio do Conselho em Comunicação também deveríamos contar com as suas vendas para os nossos números.
Finalmente, como toda a gente sabe,um somatório não é uma consolidação, é uma agregação. Ao somar as vendas das várias empresas, que são fornecedoras umas das outras, o Dr. Salvador da Cunha está a tentar iludir-nos com vendas cruzadas.
Isto dito, confesso que não me surpreende este comportamento do Dr. Salvador da Cunha, o mesmo que inscreveu em nome de uma sua empresa a marca de uns tristes "prémios" que a Meios & Publicidade, num dos seus piores momentos, anunciou como sendo iniciativa sua e da Apecom.
O que me surpreende, no entanto, é a imensa lata que está subjacente a esta história.
O Dr. Salvador da Cunha regista, no seu escrito, um espectacular crescimento das vendas, em 2011, da Lift. 25% escreve ele (que belo número redondo...).
Atente-se, no entanto, que os 700 mil euros adicionados à Lift (e que "dão" os tais 25% de "crescimento") correspondem exactamente aos 700 mil euros que a Frontpage deixou de facturar em 2011 e é bastante inferior aos 1.226 euros que a mesma facturou em 2010. A Frontpage, como se sabe, foi extinta e integrada na Lift.
Portanto, o tal anunciado crescimento de 25% esconde, na realidade, uma diminuição de actividade.
Se a vida empresarial do Dr. Salvador da Cunha tivesse sido tão meritória em 2011 como ele nos quer fazer crer, os resultados não poderiam ter sido a vergonha que foram (e que eu não digo quais são por pudor).
Do mesmo modo, as dívidas à banca não teriam subido, como subiram, de 600 mil para 1 milhão de euros.
Sim, porque vai ser difícil a uma empresa em desaceleração como a Lift, que tem 1.713 mil euros de "fees" anuais (com os quais tem de financiar toda a actividade da empresa) e gere resultados anuais apenas marginais, pagar à banca os mais de 1 milhão de euros que lhe deve (no exercício de 2011, a dívida à banca da Lift subiu de 600 mil para mais de 1 milhão de euros). Já para não falar das dívidas a fornecedores.
Nota: Quem mente ao Holmes Report também é capaz de mentir ao Diário Económico - como ocorreu já em ocasiões anteriores. É por essa razão que a LPM decidiu não entregar os seus dados para o ranking que o jornal de António Costa está a preparar. Porque não aceitamos a comparação de dados verdadeiros com dados falsos. E é num exercício de legítima defesa que publico esta nota neste blogue meio morto. É um desabafo. Durante anos tenho engolido em seco perante as falsidades publicadas acerca do desempenho das consultoras de Comunicação. Nem a publicação de um ranking verdadeiro, assente nas declarações oficiais, impediu esse comportamento. Estão sempre a nascer novos cenários irrealistas. Os últimos escritos do Dr. Salvador da Cunha, que tem a particular responsabilidade de ter presidido à Apecom, foram a gota de água. Que tristeza.