Porque tenho uma moca de Rio Maior

 

Quando se deu o 25 de Novembro de 1975, estava eu a trabalhar no Jornal Novo.

 

 

Até aí, havia um grande entendimento tático entre as forças políticas e a élite cívica que se opunha ao Partido Comunista e aos seus companheiros de estrada militares. O Jornal Novo era um instrumento desse entendimento.

 

A seguir à intentona ou inventona ou lá o que foi, essa frente comum viria a desfazer-se e eu próprio fui testemunha privilegiada do processo.

 

Tudo começou com um comício do CDS em Rio Maior. Foi a primeira iniciativa pública e civil a seguir ao 25 de Novembro.

 

Diogo Freitas do Amaral, que era o líder do CDS, ainda manteve um discurso moderado, mas o general Galvão de Melo transformou-se no primeiro protagonista da iniciativa e da nova fase da direita portuguesa ao erguer a – a partir daí – célebre “moca de Rio Maior”  e ao preconizar “atiremos os comunistas para o mar”.

 

Estavam presentes muito poucos jornalistas, não me recordo mesmo se a RTP – a única TV da época – estava presente. De qualquer forma, a tendência seria “institucionalizar” a matéria noticiosa.

 

Chegado a Lisboa, senti um entusiasmo enorme da direcção (do Artur Portela em particular) pela reportagem, quer a minha parte (o que foi dito) quer a parte do fotojornalista que me acompanhou, o Luis Vasconcelos (o que foi visto).

 

De facto, o soundbite de Galvão de Melo era assassino pelo sentimento de revanche política, de intolerância, de falta de senso. E as imagens do comício eram “sinistras”: estava a chover, as pessoas falavam lá de cima debaixo de chapéus de chuva pretos, apresentavam-se com sobretudos cinzentos e a formalidade de vestuário daquela época.

 

A capa do Jornal Novo foi mortal para a direita portuguesa. Melo Antunes, que representava a élite militar relativamente moderada, veio logo sair em defesa dos seus colegas mais “revolucionários” e do próprio Partido Comunista. E rapidamente se constituíu um novo centro de poder à esquerda, próximo do PS, e que estaria na origem dos governos seguintes.

 

Foi também mortal para Artur Portela. Rompeu-se o equilíbrio de forças que cimentava (mal, pelos vistos) a direcção e a administração do jornal.

 

Portela teve de sair. Veio a criar uma revista – a Opção – com a parte do corpo redactorial do Jornal Novo que lhe era mais próxima.

 

Quem entrou para o seu lugar? Pois, Daniel Proença de Carvalho. Com a missão de tornar o vespertino menos amplo politicamente e mais identificado com os valores da direita.

 

E este vosso amigo mudou de ares. Embora ainda hoje tenha lá por casa uma moca de Rio Maior.

publicado por lpm às 10:27 | link deste post | comentar